À espera do sinal
-Sim? Posso fazer alguma coisa por si?
Não respondeu, não foi capaz, fixava-se agora nos olhos de cor invulgar.
-Senhor? Está bem?
Voltou a não responder, reparava nos lábios, perfeitos e de uma cor que jurava nunca se ter atrevido a qualificar.
A rapariga achou logo ali piada ao rapaz, estranho mas embasbacado a olhá-la, como se tivesse encontrado na sua pessoa motivo de estudo e admiração. Deixou-se estar durante breves momentos (que foram para ele apenas instantes), brincou com ele, balançou-se de um lado para o outro, sorriu-lhe de vários ângulos, sempre honesta, sempre cheia de graça e cada vez mais razão de vida para o rapaz. Por fim achou que já se tinha “dado” o suficiente e retomou o seu caminho, sussurrando-lhe um adeus melodioso e hipnotizante.
Ele apercebeu-se do fim e não o aceitou, reagindo rapidamente como se fosse louco:
- Espera!! Espera!!
- Sim?? – Respondeu ela.
- ham...ah... poderia admirar o teu nome? Se mo dissesses?
- Poderás! Margarida... Albuquerque.
- Claro...Margarida faz sentido, poderia ter sonhado nome como esse.
Margarida voltou a achar-lhe piada, pelo menos entretia-se com ele, era educado, não demasiado, mas educado de forma agradável, com palavras fora do comum, com reacções de apaixonado, isso deliciava-a.
Demoraram-se dias não contados, até que um dos dois lançasse a iniciativa.
Foi Margarida que numa destas conversas de passagem finalmente o fez:
- Poderias-me oferecer um café...Se fizeres questão... – Emitindo o pedido em forma de ordem.
Ele obedeceu de imediato, procurando escolher o local que estivesse mais de acordo com ela. Não o encontrou, e tendo noção que não teria muito tempo, decidiu-se por um café recolhido e agradavelmente situado no meio de um jardim verde e em plena germinação .
A conversa fluiu, primeiro falava ela, sempre em tons de majestade, de forma consonante com os seus gestos e com a sua beleza. Ele ouviu-a, sempre em pleno estado de adoração, cada vez mais apaixonado, cada vez mais incapaz de se controlar na partilha de conhecimentos, poemas, livros, filmes.
Passaram assim algum tempo, ele deu-se como rendido a ela e pareceu Margarida ter-se rendido também ao seu adorador, dando-lhe beijo na face como prova disso, despedindo-se com frase inspiradora e crescente de esperança:
- Hoje à noite, vai até a minha rua, senta-te no banco ao lado da fonte, olha a terceira janela, espera pela luz, assim que a vires toca à porta que ela se abrirá...
Invadiu-se o coraçao do apaixonado, sentiu-se incapaz de emoções, possuído pela esperança e pela expectativa.
Apareceu na fonte, ainda antes do sol se pôr, jurou nunca ter desejado alguém de igual forma. Esperou, olhando a janela ainda com o sol por cima, sabendo sempre que tinha que esperar pela noite, não se contentando nunca em olhar para outro lado. Fez-se a hora, fizeram-se o par de horas, o sol desceu, escondendo-se atrás do prédio revelando quase em simultâneo a lua e o vento gélido que a acompanhou.
Ele olhou para cima e não viu luz na pequena janela do quarto. Ansiava por ela, todo ele se movia por aquela luz de presença com significado escondido e poderoso. Mas nada! O quarto permaneceu no seu olhar durante horas, escuro como a derrota, sombrio como a decepção, negro como a noite fria que o invadia dos pés à ponta do cabelo, mantendo o corpo vivo apenas por consideração ao coração.
Passou assim a noite, até o frio levar com ele todo o corpo do apaixonado, à excepção do coração, que ali ficou para sempre, à espera do sinal.