terça-feira, outubro 30, 2007

À espera do sinal

Nestor conhecera a rapariga há poucos dias, poder-se-ia dizer que realmente nem a conhecia, trocavam olhares, recados e atreviam-se uma ou outra vez a trocar palavras, eram no entanto sentidas essas parcas palavras, sentidas e intensas, como se conhecessem à tempo incalculável, como se as palavras fossem o utensílio usado numa espécie de brincadeira inocente mas com objectivos claros e ambiciosos.

Sempre revelara enorme paixão pelo cinema, sempre levara a sua preciosa câmera de filmar para a rua nos dias de Inverno em que a luz estranha mas mágica parecia marcar todos os objectos com um toque especial, revelando beleza na pedra e no objecto mais banal. Por este facto lembrar-se-ia sempre da primeira vez em que a viu, num dia igual a muitos outros de Inverno, perseguia perspectivas em todos os cantos de prédios e ruas, focando sempre os objectos mais escondidos, aqueles que necessitavam obrigatóriamente de segundo olhar para serem notados. Filmou assim inúmeras cenas centradas na luz natural e movimentada desses objectos, até se cruzar com uma sandália fora do comum, branca e delicada, envolvendo pé estreito e elegante. Dirigiu-se ao seu encontro e só quando reparou que a pessoa que as calçava estava parada à sua frente, levantou a objectiva e centrou-a na sua cara. Assim, ao ser supreendido pela beleza daquele rosto natural que observava através da camera, retirou de imediato o olho da objectiva e embasbacado, olhou e admirou-a nunca se atrevendo a expressar fala sentida e tradutora do que sentia. Foi ela que interrompeu o momento:

-Sim? Posso fazer alguma coisa por si?
Não respondeu, não foi capaz, fixava-se agora nos olhos de cor invulgar.

-Senhor? Está bem?
Voltou a não responder, reparava nos lábios, perfeitos e de uma cor que jurava nunca se ter atrevido a qualificar.

A rapariga achou logo ali piada ao rapaz, estranho mas embasbacado a olhá-la, como se tivesse encontrado na sua pessoa motivo de estudo e admiração. Deixou-se estar durante breves momentos (que foram para ele apenas instantes), brincou com ele, balançou-se de um lado para o outro, sorriu-lhe de vários ângulos, sempre honesta, sempre cheia de graça e cada vez mais razão de vida para o rapaz. Por fim achou que já se tinha “dado” o suficiente e retomou o seu caminho, sussurrando-lhe um adeus melodioso e hipnotizante.
Ele apercebeu-se do fim e não o aceitou, reagindo rapidamente como se fosse louco:

- Espera!! Espera!!
- Sim?? – Respondeu ela.
- ham...ah... poderia admirar o teu nome? Se mo dissesses?
- Poderás! Margarida... Albuquerque.
- Claro...Margarida faz sentido, poderia ter sonhado nome como esse.

Margarida voltou a achar-lhe piada, pelo menos entretia-se com ele, era educado, não demasiado, mas educado de forma agradável, com palavras fora do comum, com reacções de apaixonado, isso deliciava-a.

Demoraram-se dias não contados, até que um dos dois lançasse a iniciativa.
Foi Margarida que numa destas conversas de passagem finalmente o fez:
- Poderias-me oferecer um café...Se fizeres questão... – Emitindo o pedido em forma de ordem.

Ele obedeceu de imediato, procurando escolher o local que estivesse mais de acordo com ela. Não o encontrou, e tendo noção que não teria muito tempo, decidiu-se por um café recolhido e agradavelmente situado no meio de um jardim verde e em plena germinação .
A conversa fluiu, primeiro falava ela, sempre em tons de majestade, de forma consonante com os seus gestos e com a sua beleza. Ele ouviu-a, sempre em pleno estado de adoração, cada vez mais apaixonado, cada vez mais incapaz de se controlar na partilha de conhecimentos, poemas, livros, filmes.
Passaram assim algum tempo, ele deu-se como rendido a ela e pareceu Margarida ter-se rendido também ao seu adorador, dando-lhe beijo na face como prova disso, despedindo-se com frase inspiradora e crescente de esperança:

- Hoje à noite, vai até a minha rua, senta-te no banco ao lado da fonte, olha a terceira janela, espera pela luz, assim que a vires toca à porta que ela se abrirá...


Invadiu-se o coraçao do apaixonado, sentiu-se incapaz de emoções, possuído pela esperança e pela expectativa.
Apareceu na fonte, ainda antes do sol se pôr, jurou nunca ter desejado alguém de igual forma. Esperou, olhando a janela ainda com o sol por cima, sabendo sempre que tinha que esperar pela noite, não se contentando nunca em olhar para outro lado. Fez-se a hora, fizeram-se o par de horas, o sol desceu, escondendo-se atrás do prédio revelando quase em simultâneo a lua e o vento gélido que a acompanhou.

Chegou a hora.
Ele olhou para cima e não viu luz na pequena janela do quarto. Ansiava por ela, todo ele se movia por aquela luz de presença com significado escondido e poderoso. Mas nada! O quarto permaneceu no seu olhar durante horas, escuro como a derrota, sombrio como a decepção, negro como a noite fria que o invadia dos pés à ponta do cabelo, mantendo o corpo vivo apenas por consideração ao coração.

Passou assim a noite, até o frio levar com ele todo o corpo do apaixonado, à excepção do coração, que ali ficou para sempre, à espera do sinal.

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1 Comments:

Blogger Mariana said...

coitadinho! vejo nessa história certas ligações à realidade...

4:43 da tarde  

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