segunda-feira, outubro 08, 2007

A Varanda

Centro de Lisboa, um prédio já degradado pelas manifestações do tempo deixa transparecer calma e tranquilidade. Todo esse aspecto rústico lhe dá mais encanto e o enquadra melhor na rua lisboeta desgastada e harmoniosa em que se situa.
Centramo-nos numa varanda do prédio. No centro desta estão duas cadeiras de verga também já velhas e todos os ornamentos denotam desgaste intenso, no entanto e entre as cadeiras e as barras de segurança as plantas e os vasos recém regados acusam o uso da casa. Amarelas, vermelhas e azuis sáo as flores que diversificam o ambiente, transmitindo-lhe harmonia, claridade e vivacidade. Podemos mesmo dizer que nada naquela varanda é triste, até ó próprio desgaste dos materiais transmite uma sensação agradável de uso adequado.

Apercebemo-nos que quem lá vive é já de uma certa idade. Quem lá vive já passou por muita supresa ora agradável ora desagradável e está agora a aproveitar a pausa bela proporcionada pela merecida e tardia reforma para viver da forma mais descontraída possível.
Vê-se com a simples observação que aquela varanda é o paraíso momentâneo de alguém, toda ela transparece isso como se fosse parte do senso comum de quem a mira.

O senhor Rogério passa lá todas as suas manhãs. Desde muito cedo que quem mora naquela rua o vê instalar-se no seu pouso preferido da casa. São sempre umas 8 horas matinais quando é visto pela primeira vez diária, traz sempre consigo um copo bem alto de leite, uma torrada ainda a fumegar e um indispensável livro de poesia (sendo este hábito uma espécie de ritual que toda a gente na rua conhece bem).
Diz quem perguntou que o senhor Rogério considera um bom poema a base para todo o dia, é a partir dele que é escolhido o tema em que vai pensar durante toda sua jornada. Decisão importante esta, a de escolher assunto para matutar durante 14 horas seguidas, comparando todos os seus pontos com a natureza observável a partir de um simples varanda.


Senhor Rogério é um contador de histórias, e como qualquer homem digno desse dom tem também ele magnífica companheira escutadora das mesmas. Chama-se senhora Irene e percebe-se perfeitamente que no seu tempo, seria madame para mover atrás de si montanhas de homens contemplando o seu sorriso ou quem sabe mesmo uma pequena amostra malandra de um calcanhar perfeito.
Têm os dois com eles, um cão a quem ninguém sabe o nome senão os próprios donos, é um pastor alemão de grande porte e quase todo ele preto, apresenta apenas uma pequena mancha creme na cabeça, como que formando uma crista de cor.


São avós de 5 pequenas crianças, 2 rapazes e 3 raparigas. São vistos na mesma varanda os 5 juntos todos os domingos, chegam por volta da hora do almoço e passam a tarde naquela pequena àrea arejada do apartamento. É mais ao menos nessas alturas que os vizinhos mais próximos conseguem acompanhar algumas das fantásticas odisseias narradas pelo babado avô que diverte os netos como muito provavelmente foi também ele divertido pelos seus antepassados.
Histórias passadas todas elas ao ar livre, para que a varanda possa servir de cenário para cada uma delas e para que nas tardes seguintes às histórias os netos possam encarnar as aventuradas personagens contadas. Vê-se de tudo e a dona Lurdes do prédio mesmo em frente já reparou que o gigantesco cão alinha ele mesmo nos contos e que tanto é um camelo numa história como é um leão noutra, segundo esta o cão até já foi um tubarão certo dia em que a varanda ficou enxarcada de àgua e utensílios de pesca.

A varanda, aquela varanda, é como já disse paraíso do Senhor Rogério mas não só, é ela também paraíso para os filhos do senhor Rogério que todos os domingos têm um tempinho para namorarem suas esposas acompanhando-as com cinemas e idas ao teatro.

Aquela varanda é também e acima de tudo, não só um paraíso como um mundo para os netos do senhor Rogério e da senhora Irene.

Um mundo em que o avô é o Rei e o Super-Pescador, um mundo em que a avó é a Rainha e a Donzela em apuros, o mundo em que os netos são o grupo de aventureiros nas histórias e na varanda do avô.

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1 Comments:

Blogger Mariana said...

onde sonham os seus netos, e onde se começam a preparar para um dia serem eles mesmos os contadores de histórias. =)

ciclo fantástico.

8:17 da tarde  

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