terça-feira, novembro 13, 2007

Do mundo não, mas da Europa quase.

Foi o dia mais colorido de todos os dias. Foi o final de festa (quase) perfeito. Lembro-me da Inês, uma cara bonita de quem lia as crónicas religiosamente n'"A Bola", cujo único mérito foi ter juntando umas pinturas á cara e ter sido apanhada num sorriso do tamanho do mundo num dos jogos da primeira fase. Lembro-me de achar que a meia-final era cumprir calendário, porque não havia maneira de não levarmos o caneco na Luz, em nossa casa. Num dos actos mais ilógicos da minha existência, a seguir ao golo do Maniche só me preocupei com o Grécia-Rep. Checa do dia a seguir para saber quem ia perder na final.

Sinceramente, e olhando para trás há todo um mundo que separa quem venceu aquele prolongamento no Dragão: a Rep. Checa era a equipa que melhorava jogava futebol naquele torneio e a Grécia o pior. Desde desse golo de Dellas que me tornei mais científico e menos artístico, porque foi a prova cabal que a arte não vale nada. Era quinta-feira à noite e a festa começava.

Enquanto o Primeiro-Ministro em funções na altura se preparava para fazer cair o governo e instaurar a comédia, o país viveu as 72 horas mais belas deste prematuro século. Com as suecas, as dinamarquesas e as holandesas a abandonarem Lisboa em horda, eis que só ficavam-nos nós e os gregos para decidir a contenda, numa cidade muito mais monocolor do que aquela que era antes dos 1/4 de final.

Lembro-me de no sábado ter tomado aquela que ainda hoje considero a pior decisão da minha vida: ao contrário de todos os outros jogos, decidi ir ver a final a um sítio público, ao Parque das Nações com dois amigos com quem tinha acabado há dias o liceu. Ainda hoje acho que a minha mãe não me perdoou ter ficado sozinha para a festa, que afinal acabou por não acontecer. E sim, ainda hoje acredito que se tivesse visto a final do meu sofá da sala teríamos, pelo menos, ido a prolongamento com aqueles sacanas.

No próprio dia acordei muito nervoso e em nada mais consegui pensar: era o Jogo. O jogo e ainda o jogo. Cheguei ao local do crime e vejo lá ao fundo, em cima da Ponte, o autocarro do nosso contentemento. Era bom sinal ver a equipa antes da "coisa". Não havia um único sítio para ver a bola em todo o Parque das Nações e chegamos a encontrar uma (linda) irmã de um dos amigos sentada no meio do chão de um dos bares também preparada para sofrer certamente.

Foi só mesmo no último dos bares, para quem vem da zona das bandeiras que encontramos um sítio com lugar para 3 corpos disponível, tipo metro em hora de ponta. Entramos e recebi uma chamada de alguém que estava no Porto a ver também o jogo. Era a melhor amiga da tipa que me tinha partido o coração uns meses antes. Depois dos salamaleques habituais, um boa sorte para aqui, um boa sorte para ali, e eu estava preparado.

Lembro-me que o ecrã desse bar (que não me lembro o nome porque me recuso a lá entrar ou a lhe olhar para o frontescípio desde então) era uma mistura de ecrãs em cima uns dos outros - formando um só ecrã grande - que davam à transmissão da partida uma dificuldade: de vez em quando a bola ia parar à zona que separava um ecrã do ecrã de cima e perdíamos o fio à meada. Mas pronto, era tarde demais e era a única maneira de ver o jogo, pensei eu.

Lembro-me de cantar o hino com uma força assustadora como se a minha vida dependesse disso. Mas lembro-me do momento de quase-morte que vivi ainda na primeira parte: um remate do Figo - ou teria sido do Maniche? - que, atráves daquela série de ecrãs entrelaçados por riscos pretos deu mesmo a sensação de ter entrado. Nunca tive tão perto de ter um ataque cardíaco. Gritei o mais alto dos berros e explodiu-me literalmente o peito numa dor aguda e certa de termos chegado à vantagem. Só praí 30 segundos depois de todo o bar ter percebido que a bola tinha ido fora é que eu parei de gritar golo quando toda a gente já estava a olhar para mim de lado. Nunca passei tão depressa da alegria extrema à vergonha súbita tipo "onde é que está um buraco no chão para eu me enfiar?".

Na minha imberbe juventude e perante a tristeza anti climática de um 0-0 foco a minha atenção meio no jogo, meio numa rapariga deliberadamente vestida para provocar que estava à nossa frente e que me deve ter servido para descansar a vista após o golo grego (sinceramente entre o golo de Charisteas e o final do jogo não me lembro de nada).

Mas o golo? Como já disse, via-se muito mal o jogo e só se tinha a noção mais ou menos clara que se tinha passado alguma coisa de importante quando se ouvia o relatador o referir. Só me lembro de duas coisas: da desilusão que foi o golo (um amigo ainda disse, ainda não sei se meio a brincar se meio a sério que eu não devia ter ficado tão triste porque "ele já estava habituado a estas coisas - mas como é que alguém se habitua a um sofrimento destes?!? - até hoje me custa falar nisto, caramba...) e de no dia a seguir a capa d'"A Bola" ser hilariante (ainda tenho todos os jornais da época!): a final era remetida para o pé da 1ª página, quando a manchete era o novo treinador do Benfica (que me ia dar, dois bares atrás, uma grande alegria) Giovanni Trapatonni. Mas essa é uma outra história...
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