quinta-feira, outubro 18, 2007

Batalhão 48

A manhã nasceu vermelha. Traduzia talvez os dias passados naquelas terras africanas em que o batalhão 48 se encontrava. Sangue derramado diariamente, numa luta por algo que já nem era deles. Luta sem lado justo ou correcto, luta entre homens iguais e com os mesmos objectivos, luta por paixão ao mesmo país.
O 48 partiu de Lisboa faziam agora dois meses. Batalhão sempre visto pelas forças armadas como uma força especial de espionagem e de reconhecimento de territórios altamente perigosos, foi dos primeiros a ter que partir para África. Os objectivos da pátria a isso obrigavam.
Resumia-se agora a uns solitários cinco homens. Perdidos algures no mato, sem qualquer meio de comunicação com a base, ou forma de se revelarem vivos á sua terra mãe.

Pedro era o mais novo dos cinco, com 24 anos mal feitos, era um adulto crescido à pressa que tinha como únicos valores, a pátria e os colegas de batalhão. Pedro vivia para aquela guerra e não tendo qualquer recompensa em casa para a qual valesse a pena voltar, importava-se apenas com a possibilidade de voltar acompanhado pelos colegas de batalhão. Nem que fosse pelo menos um, Pedro jurava que sozinho nunca voltaria ao seu país. Ou acompanhado ou morto, era o lema. Por esta razão foi sempre um dos soldados de patente mais alta no batalhão, era agora o lider dos outros quatro que a ele obedeciam e admiravam.

Era sábado, ou pelo menos era o que a maioria pensava ser. Toda a semana que agora acabava tinha sido passada em missão de reconhecimento, tinham começado 25 e após duas cobardes emboscadas por parte das melicias, restavam uma mão cheia de afortunados. Estes cinco sentiam todos os dias levar atrás de si as almas dos outros vinte quando na verdade apenas transportavam as placas com os nomes dos restantes bravos falecidos.
Andaram toda a madrugada em passo acelerado, nem se lembravam da última vez que tinham dormido, alimentavam-se em andamento e rendiam-se na liderança do grupo hora a hora. Nunca paravam.

Com o primeiro sinal de claridade veio o primeiro som suspeito temido. Barulhos de carregadores a serem colocados nas respectivas armas davam nova sensação de emboscada.

Pedro apercebeu-se de tudo e deu ordem para o 48 se confundir com o solo. De imediato o quinteto estava englobado nas ervas altas características daquele tipo de matas africanas, e mesmo que o inimigo passasse perto nunca os veria. Era essa a única vantagem dos dois confrontos anteriores, nunca mais seriam apanhados noutro acontecimento de nível de cobardia semelhante. Nos minutos seguintes não se ouviu qualquer barulho, de qualquer forma nunca ninguém se atreveu a aventurar ou abandonar as respectivas posições, sabiam por força de outras mortes que fazer o mínimo movimento era sinónimo de denúncia de posição e consequentes eventos trágicos.

Com a primeira luz avermelhada do sol e tom aguarela do céu, o bosque foi minimamente iluminado. Foi nessa altura que todo o batalhão reparou no reflexo da estrela maior em lentes próximas. Espreitaram por entre as ervas e avistaram-no novamente vindo de 2 binóculos no meio da mata e bem apontados para cima, para o céu.

Todos estranharam mas apenas 1 se moveu.

Pedro rastejou assim inaudivelmente e quando deu com dois pares de pés a 5 metros de si, parou, encheu-se de coragem e espreitou pelo meio de dois eucaliptos. Dois soldados de pele escura olhavam o céu encadeado de cores e atrás dos dois, pousadas no chão, estavam as duas espingardas e o restante armamento causador de desgraças.
Pensou no que era suposto fazer e não foi capaz de dar a ordem, não seria justo aqueles homens serem mortos por segundo amor em comum.

A ordem foi então dada no sentido de passarem sem serem vistos e os cinco rastejaram para longe do inimigo continuando o seu percurso no sentido da fronteira.
Nunca nenhum deles duvidou minimamente da justiça daquela decisão.


Realmente já bastava a terra.
Não era tempo de os homens se começarem a matar também pelo céu.

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1 Comments:

Blogger Mariana said...

linda. com uma conclusão muito boa!

10:46 da tarde  

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