segunda-feira, outubro 01, 2007

O carro verde

Estamos em 1990 nos campeonatos europeus de natação, André Santos é anunciado como o nadador da pista 6 perto do centro da piscina, vizinhos da sua pista são o campeão e o vice-campeão daquela mesma competição há 4 anos atrás.

André está nervoso, mal cabe em si na forma entusiasta como espera pelo tiro da partida, entre o momento em que sobe para o cubo de partida e o mergulho como que dá início aos 100 metros bruços André relembra-se de todas as eliminatórias anteriores que o levaram à meia-final em que se encontra. Se ficasse nos 4 primeiros lugares iria disputar a final, bastava chegar logo a seguir aos seus vizinhos e teria garantido um lugar nos 10 melhores europeus, o sonho estava mesmo ali à espreita.

André nem sempre adorou nadar… Quando era mais pequeno e tinha por volta dos 4 anos a sua mãe revelava-se impaciente com o facto do filho nunca gostar muito de estar dentro de água, e de nem sequer com braçadeiras nadar minimamente.

André gostava isso sim de carros, sabia as marcas e os modelos todos e adorava aquelas réplicas da Matchbox dos modelos que na altura circulavam por qualquer estrada.

A sua mãe sabia disso e serviu-se desse mesmo factor para iniciar o seu filho na natação. Inicialmente prometeu-lhe um carrinho desses se conseguisse atravessar a piscina em largura (o que seriam à volta de 6 metros) nadando de braçadeiras, de seguida serviu-se exactamente da mesma recompensa para fazer com que André fizesse a mesma distância mas desta vez sem braçadeiras. Prometido e feito, André começou a nadar tendo como objectivo uma maravilhosa colecção de modelos em escala reduzida das grandes “bombas” daqueles tempos.

Primeiro a piscina em largura para rapidamente passar à mesma piscina mas em comprimento (uns 20 metros), e praticamente sem dar por isso André transformou uma fobia num gosto, de tal maneira que devia ter à volta dos 11 anos quando deixou de ligar aos carros e se afincou no seu maior vicio desde essa idade: nadar.

Passou toda a sua adolescência a faze-lo, durante o Inverno na piscina do campo grande em Lisboa, durante o verão na casa de férias dos seus avós perto de Lourinhã.

Ninguém o parou desde aí, e do vício passou à competição numa questão de 2 ou 3 anos, primeiros os campeonatos regionais, depois os nacionais e agora finalmente o seu grande sonho, os europeus e a remota mas comovedora hipótese de uma ida aos jogos olímpicos.

“Atención” fez-se ouvir com atenção em todo o complexo desportivo, e André baixou o tronco preparando o seu mergulho perfurante – “Pffffaa”- ouviu-se a pistola recebida num misto de susto com barulhos de mergulho, para depois se seguir um crescente bater de palmas e de emoção.

André lembra-se de ter saído bem no tempo certo, nem antes do disparo nem depois dos outros mergulharem, lembra-se de espreitar para o lado e ver que estava ligeiramente adiantado aos seus vizinhos no momento em que entrou na água. Fez tudo como lhe tinham ensinado, primeiro a braçada submarina para depois aparecer à superfície e iniciar o seu estilo inconfundível de bruços (que diz quem viu que era o mais desengonçado possível).

Á passagem dos 25 metros era 2º, aos 50 metros era 3º, aos 75 continuava 3º e quando iniciava os 25 metros finais André deu consigo a pensar em carros, todo o tipo de carros, não devia pensar naquilo e ele sabia bem disso, mas naquele momento era mais forte do que ele, desde um simples Ford até um entusiasmante Jaguar, era isso um Jaguar Verde, não havia nada melhor que um Jaguar todo verde, quando voltou a pensar noutra coisa diferente reparou que tinha batido com a mão na parede, já tinha acabado a sua prova e olhando à sua volta via todos os seus colegas de piscina a olhar para o placar para conferir classificações, ele não fazia a mínima ideia da sua posição.


Foram aparecendo um a um os classificados, o primeiro era um tal campeão de Europa seguido de perto por um vice-campeão, depois para seu espanto apareceram mais uns quantos nomes, deste o turco da pista 1 até ao alemão da pista 7, todos pareciam aparecer antes do seu nome e quando deu pelo fim lá estava:


“André Santos –PORTUGAL-8º”


Procurou uma explicação por várias vezes, mas apenas conseguiu chegar a uma e sempre que o questionavam sobre aquele dia ele respondia a mesma coisa:


-“A culpa é da Jaguar, não tivessem eles feito um carro verde…”

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