sábado, novembro 10, 2007

"Se conduzir, não beba!!"

O dia era seguramente monótono, era também seguramente quente, com temperaturas a rondar os 32 ou 33 graus que faziam em circunstâncias de campo aberto e sem qualquer sombra, qualquer pessoa desesperar por um qualquer sistema de rega bem intencionado, capaz de salvar o corpo e refrescar a alma.

Armínio é agricultor de tempos livres, quero dizer com isto que nos tempos livres ou fins-de-semana que passa na sua bela e pequena quinta, Armínio cuida da horta, do pomar e mesmo de alguns terrenos ricos em vinhas e cearas de trigo. É portanto um produtor por conta própria, sem ser por conta própria trabalha e sempre trabalhou desde os seus 24 anos (agora teria à volta de 40) num escritória na zona de Leiria, escritório esse de advogados de segunda, apenas eficazes em processos contra companhias de seguros. Mas isto tudo não interessa muito para esta história, devemo-nos focar portanto na segunda vida de Armínio, aquela que é passada no campo sobre sol intenso e oxigénio em quantidades demasiado elevadas.

O dia era portanto quente e parado. No campo em que Armínio se encontrava e à excepção de uns amigos seus agricultores que por ali andavam a ajudá-lo, não se via ninguém, pelo menos ninguém humano, animais viam-se em fartura e mosquitos então, eram tantos que os homens que tratavam a terra frequentemente entravam em desespero e soltavam-lhes ameaças pelo ar, desesperando nomes que não lembravam sequer a pessoas.

Armínio tinha passado naquele mesmo campo a sua última meia duzia de fins-de-semana, preparava as sementes,os locais a semear, os fertilizantes a usar, agendava as tarefas para os próximos meses, encomendava produtos que apenas usaria na colheita, verificava as enchadas e corrigia os seus ajudantes sobre a forma mais ideal de deixar cair a semente na terra. Fazia tudo isto como se a sua vida dependesse disso, nunca antes ningúem tinha visto nele paixão tão intensa como aquela pelo campo e seus derivados. Claramente adorava aquilo, claramente vivia para aquilo, qualquer pessoa mais ou menos perspicaz percebia isso ao observá-lo por curto par de minutos.

Terão andado em todo aquele aparato de semear futuras colheiras durante a manhã toda, sem nunca terem visto outra viva alma passar por ali, nunca estranharam, afinal de contas era domingo, estava provavelmente toda a gente em almoçaradas nas pequenas explanadas da vila que normalmente enchiam nos dias quentes como aquele. Às tantas, e segundo apontava o sol, às 3 da tarde, ouviram um suave assobio ao longe, assobio esse que se aproximou e se tornou num ranger incomodativo. Finalmente quando estava a uma distância possível de observação cuidada, verificaram ser na realidade o guinchar das rodas de uma carroça que se aproximava. A carroça levava claramente peso a mais, daí aquele som irritante e rompedor de tímpanos, no entanto não ia ninguém em cima da mesma. Era estranho! Uma carroça cheia, com um burro atarracado e castrado a puxá-la e sem ningúem a comandar o burro... Quando o veículo se aproximou mais do grupo de agricultores ocasionais, poderam reparar que levava uma velocidade incrível para veículo e puxador tão rudimentares, seguia de facto muito rápido e a própria “chinfrineira” seria de facto uma espécie de súplica por parte das rodas para que alguém as parasse. A essa velocidade passou a carroça à frente daqueles pares de olhos pasmados, e foi então que finalmente puderam observar bem o burro causador de tal barulho e movimentação. Orelhas muito curtas, muito baixo, com passadas curtas mas muito rápidas que quase levavam as pernas a tropeçarem umas nas outras, o mais incrível no animal era no entanto a forma como andava, não era capaz de seguir uma linha recta, ou seguir uma trajectória delimitada pela estrada, ora estava na ervas, ora arrastava consigo searas de trigo, ora voltava para o meio da estrada seguindo depois na direcção oposta. O burro andava de facto aos zigue-zagues, com um olhar louco e desnorteado, mas sempre muito rápido, como se fugisse de alguma coisa...

Fugia de facto de alguma coisa, puderam constactar de facto isso o advogado e os seus amigos agricultores, assim que o burro se afastou levando consigo a carroça, olharam nessa altura para trás e viram aproximar-se deles um homem muito escuro, provavelmente cigano, seguindo numa correria desenfreada na perseguição da carroça, berrando algo que pensaram ser o nome do animal, suplicando para que parasse, insultando pelo meio o mesmo burro e deitando as mãos à cabeça em gestos de desespero incontrolável. Nunca conseguiria apanhar a carroça, pelo menos àquela velocidade, o burro claramente ampliava a vantagem a cada passo que dava.

Por fim quando nada o fazia prever, o burro escorregou e aterrou de focinho no meio de um campo de arroz que delimitava a estrada, virando a carroça e espalhando na estrada toda a carga que transportava. Nessa altura todos conseguiram observar com mais atenção “o tesouro” com que o burro ambicionava fugir.

Estavam então espalhadas mais de uma dezena de pipas de vinho e pela estrada fora um rasto de vinho escorrido marcava agora a trajectória que o desgraçado do burro devia ter seguido na sua corajosa fuga ao cigano. Na berma da estrada estava também um cartaz de uma campanha rodoviária onde se podia ler :
”Se conduzir, não beba!!”

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