quinta-feira, novembro 15, 2007

Castro, o vingador

O jovem Castro foi sempre cidadão exemplar, digamos que de dentro do conjunto de pessoas que constituíam a população da sua região, foi um dos que mais contribuiu para o bem-estar geral e dos que menos praticou o “mal”. No entanto, e desde o seu nascimento, jurou acabar com a injustiça de que tinha sido alvo e não descansou enquanto não se sentiu vingado.

Começando do inicio… João Manuel Castro foi o nome que lhe foi dado pelos pais aquando do seu nascimento. Nasceu em casa, num tempo em que nascer em hospitais fazia parte de um luxo, apenas ao alcance de muito poucos, aliás, as únicas pessoas que nasciam naquela época em qualquer centro de saúde ou hospital, eram ou constituintes de famílias enriquecidas, ou simplesmente moradores de redondezas desses mesmos estabelecimentos. Sendo assim, em qualquer terra isolada, isto é, terra longe de qualquer cidade principal possuidora de centro de acolhimento apropriado ao nascimento de novos indivíduos, não havia ambulâncias que fizessem quilómetros e quilómetros de estradas secundárias, para que uma criança recém-nascida tivesse acesso ao privilegiado nascimento assistido. Assim, as novas crianças destas terras longínquas, tinham apenas direito a serem assistidas por uma qualquer espécie de enfermeira (na maioria das vezes improvisada) e pelo padre da aldeia (se o marido deixasse), que com algumas preces tentava acalmar ou simplesmente contribuir para o pânico da nova e sofrida mãe. Escusado será dizer, que muitas das vezes este padre ou entrava em pânico por nunca ter visto algo semelhante, ou entrava em pânico porque o sujeito da parição simplesmente soltava palavrões e palavras capazes de ferir membros do clero, por menos susceptíveis que estes pudessem ser. Resultado final, a mulher berrava até à exaustão, enquanto o padre entrava em pânico, interrompendo-o horas depois, altura em que o choro da nova atenção da terra se transformava em puro encantamento. Isto era portanto regra primordial sempre que o pregador de missa assistia pela primeira vez a um nascimento, acabando nas vezes posteriores, por se habituar, ou simplesmente rezar pela mãe e pelo novo filho no exterior da casa, longe de visões e exclamações chocantes.

O nascimento de João não foi excepção à regra, processando-se de forma tradicionalmente semelhante a esta. Tomaram portanto parte neste nobre acontecimento, uma mãe, um João pronto a nascer, uma mulher que segurava a mãe do lado esquerdo, uma mulher que segurava a mãe do lado direito, outra mulher que procurava incentivar a berrante grávida, uma enfermeira formada na capital (tinha de facto tirado todo o curso em Lisboa) que desempenhava todo o principal papel cientifico do acto (sendo olhada de forma estranha por todas as outras, que sendo inexperientes em situação semelhante, ora a admiravam, ora se ruíam de inveja) e a cunhada da protagonista (futura tia de João portanto) que lhe passava um pano húmido pela testa, em tentativa desesperada de a acalmar, ao mesmo tempo que sacrificava a sua mão, exprimida até ser órfã de sangue, tudo em benefício da futura mãe e do seu já estimado futuro sobrinho. Finalmente tomou também parte no acontecimento, o estreante e jovem padre da aldeia, homem caricato e possuidor de testa capaz de servir de pista de aterragem, a aviões de escala reduzida. Este homem, era também conhecido e caracterizado por discurso demasiado lento e extrema calma em situações difíceis e de facto, durante todo o parto, o padre não soltou qualquer palavra reveladora de choque ou surpresa, mas chegada a altura de João abandonar a sua antiga morada, soltou grito ouvido por toda aldeia e aldeias vizinhas (segundo constava nas conversas ditas “fora de fronteiras” ), ao qual se seguiu desmaio fulminante e revelador de fracos rins e emoções. Desta forma, quando João finalmente abandonou o interior da sua mãe, a “plateia” dividiu a atenção entre a sua pessoa e o pobre do padre, estendido no chão.

Talvez por esta razão, João nunca gostou do padre, considerava-o de forma altamente intuitiva, um ladrão de atenções cruciais, considerava-se como que prejudicado pela imprópria divisão de atenções na hora do seu nascimento, sentindo-se lesado e alvo de incompleta atenção. O momento de nascimento deveria portanto ter sido um momento inteiramente dominado por ele e o padre impossibilitara isso, com o seu fraco sentido da natureza de um parto. No entanto e de forma contrariada, João teve educação católica, sempre foi à missa (dada por esse mesmo padre todos os domingos), confessava-se ao padre sempre que corriam boatos que era um desalinhado, enfim, fazia a sua vida católica normal, sem no entanto deixar a sua memória esquecer. O padre devia-lhe pelo menos 30 minutos de atenção por parte da aldeia e ia ter que os pagar.

O jovem Castro montou então durante anos, pormenorizada operação de estudo ao comportamento do padre. De tal forma, que em todos as missas que o padre dava o jovem Castro assistia, estudando as suas palavras, os seus gestos, os seus tiques, tudo aquilo que o poderia caracterizar era criteriosamente investigado por este improvisado e vingativo espião. Mantinha-se sempre alerta, sempre pronto a perceber qual seria a melhor altura de se vingar e lançar golpe inesperado pelo padre ladrão de atenções. Chegou mesmo a ensaiar um golpe na sua cabeça, repetindo-o até à exaustão, chumbando-o e reformulando-o vezes sem conta, até chegar a um perfeito esquema final, posteriormente ensaiado através do sussurrar das falas que o constituíam, tal e qual um actor dramático nas horas que antecipam cada exigente peça teatral.

Esse golpe final, tinha então dois outros intervenientes descobertos pelo atento Castro em visitas do padre a aldeias vizinhas. Desmascarado por manter sempre a mesma rotina, foi assim notado por atender nestas “excursões” a bem mais que as necessidades da igreja, atendia também às necessidades de duas senhoras de meia-idade, que alternadamente numa aldeia e noutra eram atendidas amorosamente pelo ladrão de atenções. O vingador estimou esta preciosa descoberta, e foi então que finalmente arranjou forma de levar as duas a coincidir na missa da sua terra, enviando a cada uma igual e romântico bilhete acompanhado de rosas, nos quais indicava a hora e o lugar de comparência obrigatória para que a paixão fosse continuada, bem como as instruções sobre a altura e a maneira como agir. Restava esperar e ansiar o dia, tal como um militar anseia pelo regresso a casa.

O dia chegou, o último do mês em que se encontravam, escolhido por ser domingo e por normalmente se verificarem as maiores afluências à missa nesse mesmo dia. Escolheu a missa do meio-dia, de forma que as 12 badaladas dos sinos servissem como uma espécie de entrada dramática ao que se iria passar no interior da igreja. Tudo se iniciou então dentro da normalidade, o padre discursou durante toda a missa sem qualquer ideia do que lhe iria acontecer, sem sequer reparar nas duas caras familiares que se encontravam algures pelo meio dos seus atentos ouvintes. A primeira dessas caras estava então a não mais que 10 metros de si do lado esquerdo, em posição central e a segunda do lado oposto, ligeiramente mais afastada, mas também em posição privilegiada e digna de interveniente principal na acção. Acabada a missa e quando toda a gente estava já levantada e a dirigir-se lentamente para a porta, as duas mulheres seguiram até ao altar, chamaram em simultâneo pelo seu amante e ficaram a olhar de frente uma para a outra. Rapidamente e tendo em conta os boatos, se aperceberam do acto de traição de que tinham sido alvo e quando o padre deu sinais de vida e se deparou com as duas ali na sua frente, foi novamente demasiado fraco e não evitou um novo desmaio.

Foi aí então, que a atenção se voltou contra o desmaiado e o vingador Castro assumiu o controlo das operações, explicando a toda aquela admirada assistência de crentes, o porquê de novo desmaio repentino por parte do padre, recuperando assim toda a atenção e todo o tempo, que lhe tinha sido roubada na hora do seu nascimento.

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3 Comments:

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