quinta-feira, novembro 30, 2006

O não-dito

Há sentimentos irreproduzíveis, como a do soldado anterior. Um deles é a morte. È tão necessária quanto cruel. Não escolhe nada: Idade, sexo, espécie…apenas acontece de uma só dose, como todos os bons venenos do que é belo. Por falar em sentimentos irreproduzíveis, eles próprios são afectados pelo fim: Não há nada mais cruelmente amargo que o fim de um eterno beijo adolescente, onde nada mais há do que electricidade no ar e na boca. Nós mesmos vamos morrendo…ninguém pensa fazer aos 20 o que fez com 10, nem aos 30 o que fez com 20. Mas há algo que os humanos não conseguem produzir, apenas reproduzir: é o último não-dito: a memória.

É tudo aquilo que fabulamos depois da existência: Deus e o Paraíso, a silhueta da amada, o quanto éramos felizes na infância, o quanto tudo era perfeito no passado.

È isso que procuramos intensamente a cada momento, sem nos apercebemos: deixar memória: a boa anedota, o abraço eterno, o beijo molhado, a carícia, o gesto, o olhar.

E é com as nossas memórias que vamos morrendo, é com elas que o futuro se constrói. Por vezes, em contraste com elas, mas sempre dependendo delas.

Adoramos sempre nos lembramos de alguma coisa, mesmo que ela seja desagradável; Nada faz mais feliz alguém do que se lembrar que já fez alguém sorrir. Estamos todos aqui para uma troca intensa de emoções, para uma troca intensa de memória; para deixar escrito em pedra macia o que somos, o que fomos e o que causamos.

Essa é a verdadeira Condição Humana.

Todos nós somos memória. Todos nós somos um pouco da nossa morte e por isso mesmo somos muito da nossa vida. E é o que vos conto na próxima história.

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