Velhice

- Ainda não posso sair, lá fora ainda não é noite?
Devo ter acordado cedo de mais, está todo mundo a dormir e eu deixei o sonho abandonado, fui o único a deixar o sonho abandonado.
Nunca mais é noite!! Nunca mais é noite?
Acho que se fosse homem teria uma qualquer doença, padeceria de um qualquer estado que nos faz vaguear quando devemos dormir, uma qualquer doença daquelas que nos abre os olhos para este mundo quando queríamos ver o outro, aquele onde não temos obstáculos.
E agora? Que faço? Tenho de esperar...Ah mas a sede é tanta... Preciso de água, já sinto tudo seco, o meu corpo não foi feito para isto, eu não sou homem não consigo aguentar a sede...
Ainda sinto o sol, ainda não posso sair daqui, as melgas já andam por aí, o ano passado não foi assim, quase não as havia e acordava sempre à hora certa, nem minuto mais tarde nem minuto mais cedo...Aaahh, já sei o que se passa comigo, estou a ficar velho, posso não ser homem mas uma coisa é certa, eu também envelheço.
Será por isso que acordei demasiado cedo?? Deve ter sido.
Olha o sol foi-se!! Será que já posso ir beber água? Ainda sinto humanos por aqui mas já nao consigo aguentar mais...é vida ou morte, agora!-

Ao fim da tarde, já com a piscina vazia de gente e o jantar a ser preparado sentia-se no ar o cheiro a entremeadas, este era de facto (e sempre tivera sido) o ambiente típico do verão, aquilo que caracterizava as férias grandes de Alberto e que o fazia querer voltar no ano seguinte ao mesmo local. Uma quinta sua na grande Lisboa mas afastada o suficiente para lhe poder chamar "Campo".

Com tudo aquilo Alberto já estava familiarizado, no entanto nunca tinha visto nada parecido com o acontecimento seguinte:
Um morcego enorme voou picado sobre a piscina bebericando água de forma desesperada, de tal forma que após voo picado e razante à sua cabeça o morcego despenhou-se numa àrvore e nunca mais deu sinais dignos de vida.

Devia ser velho, devia ser um morcego velho pensou Alberto entrando em casa com as entremeadas no pensamento.