quarta-feira, outubro 10, 2007

Desconhecidos de gosto semelhante.

Ele chama-se Rodrigo Albuquerque. Sempre foi rapaz aplicado e apreciador de boas artes como o cinema e a música. Filho de pais abastados e nascido numa quinta alentejana, nunca lhe faltou nada e nunca tomou nada por garantido, um tipo de educação que apenas foi possível por ter vindo viver com os avós para Lisboa. Tivesse ficado no Alentejo na bela quinta paternal e teria muito provavelmente se formado numa “besta” em vez de uma pessoa com valores e costumes como sempre foi (pelo menos era isto que na época as gentes de lisboa diziam)...

Rodrigo foi aquele tipo de rapaz que sempre se deu muito com as pessoas, mantinha longas conversas com adultos do dobro e triplo da sua idade e nunca deixava má imagem, ficava-se sempre com a sensação que tinha bons princípios, boa mente e bom coração. Era muito provavelmente um “tipo” às direitas, apesar da tenra idade de 19 anos.


Ela chama-se Sofia Madureira. Moça para 21 anos (mais 2 que Rodrigo portanto), sempre foi muito chegada à pouca família que tinha. Nascida e crescida em Lisboa, criada pela avó (um pouco à semelhança de Rodrigo) e adepta confessa de leitura e escrita, sempre foi seu sonho ser escritora. Não precisava de ser uma escritora conhecida, bastava que escreve por prazer.

Sofia foi sempre o tipo de pessoa que se contentava com pouco e que com esse pouco conseguia sempre emanar segurança e felicidade em tudo o que fazia. Era também muito parecida com a avó, tanto em aparência como em maneira de ser. Pareciam como que clones uma da outra e eram separadas por 40 anos de diferença.

Havia logo à entrada da casa de Sofia duas fotos que comprovavam esta parecença, fotos essas objectos de brincadeiras feitas a visitantes levados a pensar que as caras nas fotos eram de uma e da mesma pessoa.


Numa tarde quente, Sofia e Rodrigo por fruto de mero acaso, coincidiram no café que escolheram como seu eleito para o desejado café da manhã. Nenhum dos dois tinha ali estado antes e tinham sido muito provavelmente atraídos pelo cheiro a pão acabado de fazer que invadia as ruas junto do estabelecimento.

Rodrigo chegou primeiro, havia apenas uma mesa de dois lugares livre em todo o café, reparando nesse facto depressa se sentou e chamou o empregado. O habitual para a sua boca foi pedido e instantes depois estava servido e pronto para acompanhar o pequeno almoço com um belo livro comprado na véspera.

Sofia chegou uns 10 minutos mais tarde, entrou no café e olhou em redor, nem uma mesa livre, nem sequer no balcão sobrava um banco onde pudesse pousar a sua encantadora fisionomia. Preparava-se já para sair, quando reparou num lugar livre numa mesa de duas pessoas, pensou para si se o jovem que estava aí sentado se importaria de a partilhar, ainda por cima estando a ler era provável que não se importasse, resolveu tentar a sorte.


-Desculpe, bom dia!
Rodrigo de imediato espreitou por cima do livro acenando simpaticamente com a cabeça.
-Bom dia!
-Será que seria possível acompanhá-lo ao pequeno almoço? Não precisa de falar comigo, eu trago um livro como o senhor e por isso nem sequer farei muito barulho.

Rodrigo não acreditou à primeira, pensava que só podia ser brincadeira ou trama de um qualquer amigo seu...Mesmo assim obviamente que concordou com o pedido, nada lhe daria mais prazer.
- Com certeza que não me importo, faça favor de se sentar, é servida de café?

Sofia não estava habituada a tais confianças de estranhos, mas tendo sido ela a começar partilhou o café com o simpático rapaz, com certeza as suas intenções eram apenas nobres justificou para si mesma.

Ao café juntou o seu pedido e rapidamente como forma de facilitar a integração na mesa, retirou da mala o livro que ultimamente lhe tomava os tempos livres.

Rodrigo entretanto retomado na leitura, olhou mais uma vez por cima do livro e reparou na capa do livro de Sofia, era de facto igual ao dele, eram de facto dois livros iguais na mesma mesa de café. Não disse nada apenas sorriu com vontade.

Sofia apercebeu-se pouco depois e lançou no ar forte exclamação seguida de um riso controlado mas puramente instintivo...

- Gosta desse livro? – Perguntou numa espécie de desafio.

- Tanto como a senhora gosta do seu tenho a certeza! – Respondeu Rodrigo empatando o desafio.

Os dois fitaram-se nos olhos um do outro e nos momentos seguintes gargalharam de forma descontrolada, cada um para seu lado e levados pelo espanto e improbabilidade da situação.

Seguiu-se conversa tremendamente agradável e pouco usual entre dois completos desconhecidos de gosto semelhante. No fim, combinaram os dois, encontrarem-se na manhã seguinte naquela mesma mesa, a hora seria a mesma, tal como os livros.

A manhã seguinte chegou e apenas um deles apareceu. Rodrigo sentou-se à mesa e terá esperado bastante tempo, segundo ele foram duas persistentes horas não recompensadas com a cara de Sofia.
Não perdeu a esperança, e durante toda aquela semana, tomou o pequeno almoço na mesma mesa, com o mesmo livro. A companhia nunca apareceu, e ele por fim conformou-se.

Volvidos três anos e num dia em que ia a passar pela rua do café, Ricardo fez-se ao pequeno-almoço sem ter em mente Sofia. Olhou em volta procurando lugar e tudo lhe pareceu ocupado, nem ao balcão havia um mísero banco para o seu desgraçado traseiro, preparava-se para ir embora quando viu um lugar livre numa mesa de dois. Nunca de facto associou aquele a outro momento e pediu para se sentar tal como Sofia tinha feito 3 anos antes. A resposta nunca mais a esqueceu:

- Bom dia! Gostou do fim do livro?

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1 Comments:

Blogger Mariana said...

sensacional! =) e o mais engraçado é que é uma situação possível. improvável - talvez, mas possível.

10:35 da tarde  

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